quinta-feira, 11 de março de 2010

Os sobreviventes =//

Mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar." "Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. " "Pensando melhor, continuavam sem saber, fazia muitos anos, se a realidade seria mesmo meio mágica ou apenas levemente paranóica, dependendo da disposição de cada um para escarafunchar a ferida." "Preciso entrar com certa ordem no que digo, e dizer de novo, vê se me entendes: ele não se afasta, mas é dentro dele que eu me afasto. Dentro dele, eu espio o de fora de nós. E não me atrevo." ". Fico quieto. Primeiro que paixão deve ser coisa discreta, calada, centrada. Se você começa a espalhar aos sete ventos, crau, dá errado. Isso porque ao contar a gente tem a tendência a, digamos, “embonitar” a coisa, e portanto distanciar-se dela, apaixonando-se mais pelo supor-se apaixonado do que pelo objeto da paixão propriamente dito. Sei que é complicado, mas contar falsifica, é isso que quero dizer — e pensando mais longe, por isso mesmo literatura é sempre fraude. Quanto mais não-dita, melhor a paixão. Melhor, claro, em certo sentido que signifícatambém o pior: as mais nobres paixões são também as mais cadelas, como aquelas que enlouqueceram Adele H., levaram Oscar Wilde para a prisão ou fizeram a divina Vera Fischer ser queimada feito Joana d’Arc por não ser uma funcionária pública exemplar. " E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo, No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. O que é que você queria? Rendas brancas imaculadas? Será que amor não começa quando nojo, higiene ou qualquer outra dessas palavrinhas, desculpe, você vai rir, qualquer uma dessas palavrinhas burguesas e cristãs não tiver mais nenhum sentido? Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você até pode gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda. E depois, um instante mais tarde, isso nem sequer será coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também. "Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma que precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.""Só quero ir indo junto com as coisas, ir sendo junto com elas, ao mesmo tempo, até um lugar que não sei onde fica, e que você até pode chamar de morte, mas eu chamo apenas de porto."" As pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem, há o que são e nem sempre se mostra ..." ( Natureza Viva - Morangos Mofados) ... Por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim,há muito tempo estava acostumado a apenas consumir pessoas como se consomem cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe mas foi só mais um engano? E quantos ainda restam na palma da minha mão? Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca... 'chegue bem perto de mim. Me olhe , me toque, me diga qualquer coisa.ou não diga nada, mas chegue mais perto. Não seja idiota, não deixe isso se perder, virar poeira, virar nada.'""porque há o momento do irremediável como existem os momentos anteriores de passar adiante em silêncio tentando tirar o espinho da carne há o homemnto em que o irremediável se torna tangível""... essa aceitação ingénua de quem não sabe que viver é, constantemente, construir, e não derrubar. De quem não sabe que esse prolongado construir implica erros - e saber viver implica em não ver esses erros, em suavizá los e distorce-los ou mesmo eliminá los para que o restante da construção não seja ameaçado.""E recomeçar é doloroso. Faz-se necessário investigar novas verdades, adequar novos valores e conceitos. Não cabe reconstruir duas vezes a mesma vida numa só existência. É por isso que me esquivo e deslizo por entre as chamas do pequeno fogo, porque elas queimam - e queimar também destrói."

Caio Fernando Abreu.
Argumentos :)

"Fico vivendo uma vida toda pra dentro, lendo, escrevendo, ouvindo música o tempo todo.""Tenho tentado aprender a ser humilde. A engolir o nãos que a vida te enfia goela abaixo. A lamber o chão dos palácios. A me sentir desprezado-como-um-cão, e tudo bem, acordar, escovar os dentes, tomar café e continuar.""Penso: quando você não tem amor, você ainda tem as estradas."Fiquei ali parado, procurando alguma coisa que não estava nem esteve ou estaria jamais ali.""Preciso de um colo que ninguém dá. Mas tudo bem.""Ah, então foi pra ele que eu dei meu coração e tanto sofri? Amor é falta de QI, tenho cada vez mais certeza.""Malas, hotéis. E os amigos, cadê? Você foi lindo comigo. E distante. Me deu apoio, não o ombro. Queria tanto ter chorado a dor enorme de POA e a velhice de meus pais no Menino Deus no ombro de um amigo. Não temos tempo: somos maduros. Onde será que isso começa?""Por que, na segunda-feira, eles (nós) não revelam a carência do fim de semana e se dizem coisas duras?""Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro.""Uma pressa, uma urgência. E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça.""Para que não me firam, minto (...) E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também.""No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio. Até o último momento esperei que você me chamasse pelo telefone. Que você fosse ao aeroporto. Casablanca, última cena.""Dá um certo trabalho decodificar todas as emoções contraditórias, confusas, somá-las, diminuí-las e tirar essa síntese numa palavra só, esta: gosto.""Não sei se em algum momento cheguei a ver você completamente como Outra Pessoa, ou, o tempo todo, como Uma Possibilidade de Resolver Minha Carência. Estou tentando ser honesto e limpo. Uma Possibilidade que eu precisava devorar ou destruir.""Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis.""Às vezes a gente vai-se fechando dentro da própria cabeça, e tudo começa a parecer muito mais difícil do que realmente é. Eu acho que a gente não deve perder a curiosidade pelas coisas: há muitos lugares para serem vistos, muitas pessoas para serem conhecidas.""Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros.""Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar de remar também.""Quem diria que viver ia dar nisso?""Mas sempre me pergunto por que, raios, a gente tem que partir. Voltar, depois, quase impossível.""Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez. Um limite insuportável.""Fiquei tão só, aos poucos. Fui afastando essas gentes assim menores, e não ficaram muitas outras. Às vezes, nos fins de semana principalmente, tiro o fone do gancho e escuto, para ver se não foi cortado. Não foi.""Algumas vezes eu fiz muito mal para pessoas que me amaram. Não é paranóia não. É verdade. Sou tão talvez neuroticamente individualista que, quando acontece de alguém parecer aos meus olhos uma ameaça a essa individualidade, fico imediatamente cheio de espinhos - e corto relacionamentos com a maior frieza, às vezes firo, sou agressivo e tal. É preciso acabar com esse medo de ser tocado lá no fundo. Ou é preciso que alguém me toque profundamente para acabar com isso.""Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis.""Meu coração tá ferido de amar errado.""Acho espantoso viver, acumular memórias, afetos.""É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado.""Tô exausto de construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém.""Tudo isso me perturbava porque eu pensara até então que, de certa forma, toda minha evolução conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos. Carregava centenas de fotografias amarelecidas em páginas que folheava detidamente durante a insônia e dentro dos ônibus olhando pelas janelas e nos elevadores de edifícios altos e em todos os lugares onde de repente ficava sozinho comigo mesmo. Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes, e não me surpreendia nem me atemorizava pensar que muito tempo depois estaria da mesma forma de mãos dadas com um outro eu amortecido — da mesma forma — revendo antigas fotografias. Mas o que me doía, agora, era um passado próximo. "Claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodca, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive.""Mas não se preocupe, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais autodestrutiva do que insistir sem fé nenhuma? Ah, passa devagar a tua mão na minha cabeça, toca meu coração com teus dedos frios, eu tive tanto amor um dia, ela pára e pede, preciso tanto tanto tanto, cara, eles não me permitiram ser a coisa boa que eu era." Caio Fernando de Abreu.
- "Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis."(Caio Fernando Abreu)